Regina Dias, entre o HC e os palcos
Mas nem só de samba vive essa “madame” da UTI e das quadras. Versátil, canta vários gêneros musicais brasileiros. “De qualidade”, já se adianta, enquanto relembra o ambiente familiar da infância, sonorizado com muita música boa feita por Glenn Miller (1904-1944), Ray Conniff (1916-2002), Pixinguinha (1897-1973), entre outros compositores e intérpretes da música brasileira e das baladas internacionais das décadas de 1950, 1960 e 1970. Regina acredita que para toda temática há uma música, seja na novela, no filme, no teatro e até mesmo na vida. “Há sempre uma música marcando uma época, um episódio, um momento. Quando ouço One day in your life, lembro do encanto de amor adolescente embalado por essa e outras baladas e de uma professora no colegial que articulava acentuadamente as palavras nos ensinando a pronúncia correta do inglês”, recorda. Outra imagem que lhe vem à lembrança é a interpretação de Mário Montarroyos (1949-2007) para a música Carinhoso, de Pixinguinha, na abertura da novela de mesmo nome, aguçando o romantismo nessa fase.
As audições privilegiadas ao longo da vida interferem até hoje na escolha de repertório de Regina, que em 2002 foi convidada pelo Sesc São Carlos para a programação do evento “20 anos sem Elis” com o espetáculo “Regina canta Elis”. “Poucas cantoras da região tinham um acervo cronológico montado com o repertório dela e, como sabiam que eu a tinha como uma das minhas referências musicais, me convidaram para abrir a programação de um mês de homenagens e fiquei surpresa com a repercussão e a lotação na estreia”, alegra-se. A “casa cheia” fez ver o quanto as pessoas estavam saudosas de ouvir um repertório de Elis e o quanto o show valia a pena.
Durante um mês, o Sesc promoveu espetáculos com vários artistas da música brasileira que se relacionaram com Elis durante sua carreira, entre eles Jair Rodrigues, Pedro Mariano, filho da cantora, Zuza Homem de Melo, Denise Stokclos, entre outros. Até hoje, mudando a formação de piano e voz – com o músico Toninho Diniz – para quarteto e voz, Regina é aplaudida pelo espetáculo. Em temporada recente apresentou o show “30 anos sem Elis” no Almanaque Bar, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas (SP). O repertório já foi apresentado em várias unidades do Sesc, no Estado de São Paulo e em centros culturais.
Quando se deu conta de que o que fazia recebia o nome de produção, Regina passou a escrever e produzir espetáculos grandes como “Nelson Cavaquinho”, um de seus ídolos centenários. Apresentado inicialmente no mês de maio de 2011, dentro do projeto Palavra Cantada da 11º Feira do Livro de Ribeirão Preto, num formato bem mais simples, em outubro, Nelson mereceu tratamento especial em todos os aspectos, com uma produção mais arrojada desde o cenário até o formato do show, para sua estreia no Teatro Municipal de São Carlos. O palco do teatro foi transformado em calçada de bar, com mesas da década de 1930, adquiridas em um bar estilizado de São Carlos, caracterizando a ambiência que marcou a carreira do compositor. “Foi um sucesso. Vi como ainda hoje as pessoas amam Nelson Cavaquinho, um músico brasileiro centenário. E observei como amam a música brasileira e seus grandes poetas.”
Outro gênero absorvido na infância, a bossa nova, faz parte do portfólio de produções oferecido por Regina a centros culturais, Sescs e projetos de incentivo cultural. Quando a bossa nova completou 50 anos, ela criou e apresentou o show “A bossa ainda é nova”, no qual, ao lado de músicos de São Carlos e Ribeirão Preto, mostra como o gênero ainda recebe diferentes tipos de interpretação. “Apresentamos a bossa e suas mais variadas leituras: do banquinho e violão, o jazz americano, ao drum and bass e o som eletrônico, mostrando o quanto ela foi e continua sempre moderna”, afirma.
A decisão em aliar o prazer de cantar ao de produzir seus próprios espetáculos, fez com que Regina os documentasse em vídeos. Isso gerou material em mídia (DVD) do centenário de Nelson Cavaquinho, “A História de um Valente”, de “A bossa ainda é nova” e do espetáculo “Elas por ela”, em que Regina interpreta canções de Maysa Matarazzo, Márcia, Nana Caymmi e Elis Regina. O show foi apresentado em teatros do interior de São Paulo e unidades do Sesc. “Neste espetáculo, tenho de me transformar a cada mudança de intérprete. É gratificante ver o resultado de uma produção própria”, declara Regina. Para a artista, show não tem prazo de validade e pode ser apresentado a qualquer momento. “Quando oferecemos nosso trabalho, enviamos uma proposta com diferentes opções temáticas”, reforça. Com tudo documentado, músicos selecionados, partituras prontas, fica mais fácil responder “sim” a um convite, segundo a cantora.
Mesmo com a dedicação à UTI pediátrica e à seleção máster da Associação Paulista de Vôlei, o samba não precisa parar, segundo a “madame”. Em abril deste ano, ela estreou o Grupo Gafieira São Carlos. “A banda teve seu show de estreia no Sesc São Carlos e na semana já fomos convidados para integrar a programação do Almanaque Musical, da TVE, consolidando a nova proposta de seleção de sambas, boleros, baião, entre outros fazeres, enfim, músicas para dançar”, declara, sem qualquer sinal de cansaço, a enfermeira que logo após a entrevista assumiria o plantão.
Entre tantos compromissos, Regina consegue garantir com maestria a atenção à família, formada por ela, o marido e dois filhos. O apoio da família é fundamental para continuar sendo quem é: cantora, produtora, enfermeira e esportista. “E não consigo abrir mão de nenhuma das áreas.” A família sabe que nada é capaz de frear a “multiprofissional”, segundo a artista, e que nem mesmo um problema grave de saúde, enfrentado em 2010, lhe obrigou a descansar. A ele, Regina respondeu com música, alegria, mesmo em momentos de reflexão. Diante da relutância entre se recuperar de uma cirurgia repousando ou defendendo um samba em um festival importante, Regina não teve muita dúvida: “Descobri o quanto a música ameniza a descoberta e o tratamento de uma doença grave. Ela me deixou otimista e me fez esquecer um momento que pareceu trágico”, recorda. O incentivo para subir ao palco e sair premiada partiu de uma de suas médicas, que, sabendo da importância do canto na vida de Regina, disse: “Vá cantar”. Orientação seguida à risca: “Fui recém-operada e deixei o corpo e a alma falarem, contemplando enfim, uma premiação que somou com uma recuperação esplêndida. O vídeo está no Youtube, aliás, muitos estão lá”, comemora.
Outro aspecto importante em sua recuperação foi o apoio da família e também dos amigos da área de saúde da Unicamp, segundo Regina. “Não me deixaram ficar triste, pelo contrário, sentia uma retaguarda muito positiva. Fui conduzida por uma equipe extremamente competente, pontual e acessível, ‘top de linha’ do Hospital da Mulher Caism e do HC”, diz, ao mesmo tempo em que sorri. Há 22 anos, o convívio com a equipe da UTI Pediátrica tem garantido grandes amizades. A chegada antecipada ao plantão, à noite, faz com que se relacione com profissionais do turno anterior. Ao fim do plantão, gosta de se relacionar com as pessoas que chegam para a jornada matutina. “Este relacionamento fez com que eu participasse da organização das confraternizações do setor”, comenta.
Agora, a paulista nascida em Ribeirão Preto e adotada por São Carlos, onde iniciou a carreira na década de 1980, canaliza suas energias para a gravação do primeiro CD solo, Fantástico Urbano, no qual interpreta vários compositores da música brasileira. O título do primeiro álbum é uma homenagem à tia Odilla Mestriner (1928-2009), artista plástica de Ribeirão Preto, autora da série de quadros Fantástico Urbano. “Ela era uma das incentivadoras para que gravasse o meu CD”, relembra. Uma homenagem composta pela irmã de Regina, Bia Mestriner, integra o repertório.
A estrada de quase 30 anos, iniciada na década de 1980 com o grupo Sassafrás, da UFSCar, proporcionou pontos de encontro com grandes nomes da música brasileira, críticos e profissionais da imprensa regional, como Paulinho Nogueira, Guinga, Juarez Moreira, Sizão Machado, Filó Machado, Simone Guimarães e Leandro Braga, Dimi Zumquê, o artista plástico Guto Lacaz, Maria Butcher, Paula Santoro, Márcia Tauil, Rodrigo Zanc, entre outros. Ao longo do percurso, algumas paradas para a participação, classificação e premiação nos festivais Femuarte – Garanhuns/PE (finalista por três anos consecutivos); FEM de Rio Preto (segundo lugar); Fenafro de Araraquara (melhor intérprete e segundo lugar); I Festimais de São Carlos 2008 (terceiro lugar); FAM – Ribeirão Preto em 2010 (terceiro lugar). “Mas tenho participado de muitos outros que sejam interessantes para a música que defendo”.
Com a canção Três Apitos, de Noel Rosa, Regina integra o documentário da EPTV São Carlos Sertão Paulista, lançado em 2007, ao lado do violonista Hamilton Silveira. A artista também interpreta uma das faixas do CD da Rádio USP de Ribeirão Preto, lançado em abril de 2008, e do CD promocional do Femucic, promovido pelo Sesc Maringá em 2009. E, entre tantas atuações, Regina só manda recado aos desavisados: “Não cantei ao lado de nenhum centenário, como Nelson Cavaquinho”, brinca. “Mas sou uma madame que ama os centenários.”