Gente que enxerga além
Momentos de crise e dificuldades são oportunidades para quem realmente quer vencer na vida e na profissão
Quando a revelação dos exames radiológicos era predominantemente analógica, havia milhares de deficientes visuais trabalhando nas câmaras escuras, pois enxergar não era necessário nas salas de revelação. Entretanto, com a digitalização do processo, as pessoas com deficiência visual perderam a funcionalidade e foram excluídas, de forma desumana, pelo processo de desenvolvimento tecnológico e industrial.
Mas nem todos os profissionais com deficiência se deixaram vencer ou excluir. A auxiliar de Radiologia maranhense Marcelina Andrade, de 52 anos, continuou a trilhar seu caminho na profissão e, por causa da sua história de superação, inspira na filha mais velha a seguir o mesmo caminho. Aos 18 anos, Marcelina perdeu completamente a visão – herdou a deficiência visual de sua avó materna – e resolveu sair do interior do estado. O plano era estudar braile em São Luís, no Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual do Maranhão.
A persistência e a vontade de aprender conduziram Marcelina até a formação na área da Radiologia. “Trabalho na câmara escura do Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho há mais de dois anos. Nas segundas e sextas-feiras, pego ônibus sozinha às seis da manhã para ir. Enfrento as dificuldades, pois adoro meu emprego”.
Além da perda total de visão, Marcelina enfrentou o desafio de ser a figura materna e paterna das duas filhas. A garra, força de vontade e o espírito humano fizeram com que, além de querida por todos, buscasse voos ainda mais altos. Atualmente, está estudando duro para passar em concursos públicos. Além disso, fez questão de participar das últimas eleições do Conselho Regional de Técnicos em Radiologia da 17ª Região (CRTR Maranhão/Piauí), onde é inscrita.
Para a filha mais velha, Mayrla Andrade, a mãe é um exemplo não só profissional, mas, também, de vida. “Ela ama o que faz. Só os riscos que ela enfrenta de ir ao trabalho já mostra isso. É uma pessoa muito guerreira e que sempre lutou por mim, pela minha irmã e pela profissão”.
União dos Cegos no Brasil
No Rio de Janeiro, tem um modelo para o país. A União dos Cegos no Brasil (UCB) conduz o deficiente visual ao mercado de trabalho. O espaço oferece, entre outros cursos, o de auxiliar de Radiologia. A instituição não cobra valor algum pelas atividades que oferece e já foi responsável pela profissionalização de centenas de trabalhadores.
“Em 2012, houve concurso para profissionais de Radiologia no município de Nova Iguaçu. De dez aprovados, nove passaram pelos nossos cursos”, conta Climério Rangel, presidente da UCB. Responsável pela instituição, Climério nasceu com deficiência visual parcial e foi alfabetizado em escola comum. Com o passar dos anos, a perda da visão foi total. Nada que o impedisse de se formar em Letras e, depois, em Direito. Ao longo desse período, se adaptou ao braile. Em 1983, fez curso do CRTR 4ª Região e passou a ter autonomia para treinar e diplomar outros companheiros cegos.
Ao ser questionado sobre a maior dificuldade em inserir o deficiente visual no mercado de trabalho, Climério aponta o preconceito. “Nós somos iguais. Quando ofertamos nossos cursos, enxergamos nas pessoas com deficiência um potencial fantástico a ser explorado”, conclui.
FONTE: CONTER
http://www.conter.gov.br