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Descobertas da paleoecologia

Há 90 milhões de anos, alguns animais deixaram vestígios de sua existência no mundo. No município paulista de Monte Alto, na região da Bacia Bauru, desde a década de 1990, as escavações vêm se tornando cenas cada vez mais comuns aos olhos da população local. Lá, mais precisamente na Fazenda Santa Irene, em 1997 e 1998, a bióloga e paleontóloga Sandra Aparecida Simionato Tavares descobriu que dinossauros carnívoros e crocodilos também fizeram morada, a partir da identificação de dentes fossilizados. Além disso, a grande surpresa foi a descoberta de um grande dinossauro saurópode (herbívoro) da família dos titanossauros. A descoberta de dentes fossilizados de animais carnívoros associados a fósseis de um dinossauro herbívoro, além de estudos geológicos do local, permitiram reconstruir a vida em um tempo remoto por meio de informações preservadas nas rochas, segundo a autora da dissertação.
De acordo com Sandra, a hipótese era de que os dentes, encontrados isolados (sem maxila, pré-maxila ou mandíbula) próximos ao saurópode, pertenciam a dinossauros e Crocodilyformes carnívoros, e que os dentes foram perdidos durante a predação do grande dinossauro herbívoro. “Para comprovar a nossa hipótese, durante a pesquisa fizemos análises mascrocópicas (descrição das formas dos dentes, temos medidas) e análises microscópicas (MEV) para obter dados de estruturas presentes nos dentes que não conseguíamos ver a olho nu”.

De posse dos objetos, Sandra pôde iniciar uma interpretação paleoecológica do afloramento de Santa Irene. A ciência, segundo ela, permite fazer uma reconstrução do ambiente dos dinossauros, ampliando o conhecimento da paleofauna e oferecendo informações ainda desconhecidas sobre o mundo dos dinossauros. Sandra explica que na paleontologia é comum a descrição de novas espécies de animais por meio da análise morfológica dos fósseis, porém, poucos contemplam o fator ambiental.

De acordo com a pesquisadora, é difícil classificar dentes isolados em nível de espécie, uma vez que suas características morfológicas são muito semelhantes, porém, é possível enquadrá-los em nível de família por meio da análise microscópica, principalmente dos dentículos presentes nas carenas dos dentes.

Por meio das análises, foi possível concluir que 18 dos 26 dentes que foram analisados pertencem a dinossauros terópodes. A formação em biologia ajudou na análise morfológica dos dentículos apresentando com morfologias distintas e com sulcos. “Foi possível enquadrar os dentes analisados como pertencentes a dinossauros da família Abelisauridae e Dromaeosauridae”, acrescenta.

A paleontóloga conta que a família Abelisauridae é representada por dinossauros carnívoros que variam de 1,5 a 12 metros de comprimento, e a família dos Dromaeosauridae corresponde a dinossauros também carnívoros, porém menores. “Eram dinossauros pequenos que poderiam medir até 3 metros de comprimento”, explica.

Os outros dentes envolvidos na pesquisa, segundo Sandra, foram enquadrados como dentes de Crocodyliformes, que diferente dos dentes de Theropoda, são comumente cônicos, com estriamento ao longo da carena, podendo ou não apresentar bordos serrilhados. A seção basal arredondada é uma das principais características que permitem a classificação de dentes isolados como Crocodyliformes.

Na Fazenda Santa Irene, além dos vertebrados, verificou-se a presença de iconofósseis (resultado de atividades de animais em sedimentos e rochas), o que possibilita o registro da presença de animais de corpo mole que normalmente não se preservam, mas servem para mostrar comportamentos das assembleias fossilíferas e auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas.

Sandra explica que durante muito tempo, os iconofósseis foram considerados como simples evidências indiretas de antigas formas de vida ou estruturas sedimentares secundárias, mas no momento atual demonstram extrema relevância na interpretação de vários organismos fósseis e das condições sedimentológicas de diversos ambientes.

Além da análise de ambiente, Sandra realizou análises tafonômicas (processos ocorridos desde a morte até a transformação em fósseis – transporte do material, análise dos sedimentos que formaram a rocha) e várias pesquisas de campo no afloramento a fim de conhecer melhor a geologia do local. “Elaboramos um perfil estratigráfico para entendermos como era o ambiente no período Cretáceo Superior, 90 milhões de anos atrás aqui em Monte Alto, em especial na Fazenda Santa Irene, local em que os fósseis foram coletados”, acrescenta.

Aos olhos da paleocologia, a pesquisadora constata que o afloramento Santa Irene era caracterizado por rios com barras arenosas. Segundo a paleontóloga, naquele ambiente coabitavam pelo menos três grupos de animais: dinossauros carnívoros, crocodilos e dinossauros herbívoros.

Uma das deduções de Sandra é de que os animais habitavam ou transitavam pelo ambiente. “Não há sinais de que os fósseis tenham sido transportados até o local no qual foram coletados, mas sim que a carcaça do Aeolosaurus serviu de alimento para outros animais no local de sua morte”, explica.

Esta constatação de que a carcaça de titanosaurídeo (dinossauro herbívoro) deve-se ao fato de terem sido encontrados ossos do pós-crânio do herbívoro, com alto grau de articulação, associados apenas a dentes isolados de dentes de dinossauros e crocodilos carnívoros, provavelmente necrófagos. “Percebemos que os fósseis estavam articulados, com fêmur preservado, por exemplo. Ossos e dentes estavam muito bem preservados. Quando são transportados perdem algumas características. Acreditamos que ele ficou preservado numa barra arenosa”, acrescenta Sandra.

De acordo com Sandra, as reconstituições que se podem criar a partir de vestígios preservados nas rochas há milhões de anos, trazem por si a essência que move a Paleontologia. “Porque não se trata de estudar ossos sem vida e sim de conseguir reconstruir a vida em material hoje inerte, mas com uma história que permite ver toda a sua evolução, muitas vezes resumida em uma delgada camada de rocha”.

Para a paleontóloga, o material analisado associado ao ambiente de deposição permite a reconstituição de um retrato ímpar de um ecossistema há muito extinto, onde animais coexistiam em condições adversas e prosperavam. “A morte do grande saurópode permitiu que animais predadores/necrófagos e saprófagos se mantivessem vivos, e que invertebrados se abrigassem em um solo incipiente e provavelmente frágil em formação.”

Monte Alto

De acordo com Sandra, as escavações paleontológicas realizadas no município de Monte Alto, desde 1990, têm revelado significativas informações para o entendimento paleoambiental de depósitos cretácicos da Bacia Bauru, especificamente, da Formação Adamantina. A sequência de descobertas levou à criação do Museu Paleontológico de Monte Alto. A construção do espaço foi necessária, pois não havia um lugar adequado para armazenamento e acondicionamento dos fósseis. Segundo Sandra, ela própria ingressou no museu quando ainda estudava biologia, e aos poucos foi se interessando por Paleontologia.

A primeira descoberta foi feita na área urbana. Mesmo a Fazenda Santa Irene está localizada a apenas 16 quilômetros da cidade. Hoje, a relação da população com as evidências de que esses animais habitaram o município é normal, mas ainda há quem duvide da idade dos fósseis, aproximada a 90 milhões de anos. A qualquer sinal de um fóssil, o museu é imediatamente acionado por alguém da população.

■ Publicação

Dissertação: “Fósseis do Afloramento Santa Irene, Cretáceo Superior da Bacia Bauru: inferências paleoecológicas”
Autora: Sandra Aparecida Simionato Tavares

Orientação: Fresia Ricardi Branco

Unidade: Instituto de Geociências (IG)
FONTE: Jornal da UNICAMP