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Especialista fala sobre proteção radiológica e futuro da Radiologia nos próximos 50 anos

Em matéria de radioproteção, a nossa categoria é especialista. Durante o curso de Radiologia, o aluno aprende conceitos importantes sobre proteção radiológica para garantir a segurança do paciente. Entretanto, com o passar do tempo, alguns ensinamentos importantes vão sendo esquecidos, por causa da correria do dia a dia.

Para discutir esse assunto e apontar as medidas de segurança mais elementares para a categoria, o CONTER criou a Comissão Nacional de Radioproteção e Dosimetria (CNRD), da qual faz parte o professor Phillip Patrik Dmitruk. Nesta entrevista, o pesquisador revela quais são os riscos associados à exposição radiológica e mostra como um comportamento responsável pode garantir uma carreira tranquila e sem risco de acidentes.

Phillip é graduado em física médica, pós-graduado em física das radiações e radioterapia, mestre e doutor em engenharia nuclear.

Como você avalia a situação da proteção radiológica no Brasil?
O conceito e a prática da proteção radiológica estão bem incorporados às rotinas de exames e tratamentos médicos com radiação ionizante. Dispomos de normas e regulamentos que disciplinam o uso correto da fonte e dos equipamentos emissores de raios X. Contamos com uma rede de fiscalização em todas as esferas de governo. Podemos dizer com tranquilidade que a regulamenta- ção existe. Contudo, a falta de acuidade ainda persiste, por causa de profissionais imprudentes, que expõem pacientes de forma insegura e indevida. Contamos ainda com empregadores que insistem ilegalmente em “economizar” nos requisitos de proteção radiológica, ação incoerente e que, felizmente, está sendo objeto de punições exemplares. São ainda poucos os agentes fiscais em nossos país e, para o controle efetivo contra o uso inseguro de fontes e equipamentos emissores de radiação ionizante, precisamos de cada vez mais profissionais envolvidos e responsáveis na área de proteção radiológica.

O sistema de monitoramento usado pelos profissionais é eficiente?
Sim, nossos sistemas de dosimetria pessoal são bastante eficientes e devidamente certificados. Um processo de certificação minucioso e reconhecido internacionalmente.

Os EPIs que existem hoje são eficientes?
Depende. Os EPIs devem ser registrados na Anvisa e possuir o certificado expedido pelo Ministério do Trabalho. Sem essas garantias, a eficiência é duvidosa. O avental de chumbo deve ser avaliado na compra e anualmente como parte de programa de controle de qualidade exigido para os serviços de Radiologia. Os testes de integridade do manto de chumbo devem ser realizados anualmente e os laudos devem apontar as condições de proteção radiológica do paramento de chumbo. Lembrando que os EPIs que contêm chumbo não podem ser descartados em lixo comum, devem ter uma destinação adequada, pois se trata de lixo tóxico.

Além de usar os EPIs e o dosímetro, o que os profissionais podem fazer para se proteger?
Durante a realização do exame, é importante usar os biombos de chumbo e as paredes blindadas, que são eficientes para a proteção radiológica. Sempre devemos usar o avental de chumbo com o protetor de tireoide. Também é importante manter distanciamento seguro durante a exposição radiológica. As doses de radiação devem ser constantemente avaliadas e otimizadas, de forma a obter um resultado adequado, com uso de menores doses de radiação. Os campos radiativos devem ser colimados de forma adequada e sempre para o menor campo de irradiação possível. Outro fator importante para proteção radiológica reside no rodízio de profissionais, por ambiente, por equipamento e por procedimentos dentro de sua rotina de trabalho.

Como a radiação ionizante interage com as células do corpo?
Nós somos formatos por átomos. No processo de irradiação, a ionização ocorre em nível atômico e afeta as moléculas. De uma forma bastante simplificada, podemos dizer que a radiação ionizante ao interagir com as células produz fenômenos físicos, químicos e biológicos. Isso pode ou não vir a afetar as células, os tecidos, os órgãos e o corpo do indivíduo como um todo. Para avaliar os possíveis efeitos da exposição à radiação, temos que considerar a complexidade do organismo do indivíduo irradiado.

O que você acha da morte?
No contexto de dano celular por irradiação, a morte celular pode ser considerada um benefício, posto que a probabilidade de danos somáticos ou genéticos são minimizados ou se anulam.

No que tange a natureza dos seres vivos, a morte é natural como o nascimento, tudo tem um começo e um fim. Cabe prestar atenção no caminho trilhado e aproveitar este tempo desde o início até o fim e viver da melhor forma possível, promovendo bem estar e esperança para aqueles que o acompanham na jornada chamada vida.

Reproduzir é sempre melhor do que morrer?
Tratando-se de células, a reprodução é a garantia de manutenção da vida de um organismo. Por vezes ocorrem erros nessa reprodução celular e a radiação pode contribuir para que esses erros ocorram com maior intensidade. Neste particular, considerando a ocorrência de erros na reprodução celular, o melhor será a morte da célula.

Passando a considerar essa pergunta sob a perspectiva do indivíduo, entendo que a reprodução é a maior das maravilhas da natureza, um processo natural. Contudo o simples ato de reprodução, sem planejamento ou responsabilidade, não deveria acontecer. Todo nascimento é uma benção e deve ser planejado com máximo carinho e responsabilidade.

Quais partes do corpo são mais sensíveis à radiação ionizante?
Tórax e abdome compõem as áreas de maior risco na exposição à radiação. Contudo, o cristalino, a tireoide e a gô- nada devem ser igualmente protegidas, pois são bastante sensíveis.

Você saberia nos dizer, objetivamente, qual o número seguro de exames radiológicos uma pessoa pode fazer durante um ano?
Não é possível estabelecer generalizadamente a quantidade de exames radiológicos que cada indivíduo pode fazer, essa decisão depende de cada caso, que deve ser avaliado pelo médico radiologista. Se a rotina de proteção radiológica, controle de qualidade, dosimetria de feixes, manutenção preventiva e corretiva for adequadamente realizada nas datas e nos prazos previstos na legislação vigente, podemos dizer que o processo é seguro. O limite da dose é o profissionalismo.

Quantos exames de radiodiagnóstico convencional um profissional pode realizar durante um dia?
Esse valor é bastante variável e depende das condições gerais do paciente, do equipamento radiológico disponível e da habilidade do profissional. Geralmente, considerando uma jornada de trabalho de 24 horas semanais, o adequado é fazer um atendimento a cada 15 ou 20 minutos. Ou seja, 16 pacientes por dia. Atender um número maior de pessoas indica que alguma das etapas de atenção à proteção radiológica foi preterida e o exame, realizado de forma inadequada.

Existem políticas públicas sobre proteção radiológica no Brasil?
Órgãos como o CONTER, a CNEN e a Anvisa possuem programas de treinamento e conscientização sobre o uso seguro da radiação ionizante. Também existem outras organizações com essa preocupação fora do governo, como é o caso da Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica (SBPR), da Associação Brasileira de Física Médica (ABFM) e do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR). Entretanto, ainda faltam políticas públicas eficientes fora dos grandes centros urbanos, mas elas podem ser implementadas por essas mesmas entidades, com o aporte do governo federal.

Quais medidas o governo pode adotar para garantir a segurança radiológica dos profissionais e dos pacientes?
Além de tudo o que já é feito, é necessário punir com severidade as empresas e profissionais que insistem em não respeitar a vida. A radiação faz parte do nosso cotidiano e deve ser utilizada com disciplina e responsabilidade em todas as áreas em que é aplicada, seja ela ionizante ou não

As mulheres precisam usar protetor de tireoide durante a mamografia?
Posso assegurar que os dados de dosimetria das radiações na mamografia e as condições em que são realizados esses exames dispensam o uso do protetor de tireoide. Trata-se de um exagero que pode prejudicar o resultado da imagem e a necessidade de repetição do procedimento, o que é pior para a paciente.

Os homens podem ter esterilidade temporária depois de sofrer exposição continuada?
Toda exposição radiológica está imbuí- da de riscos e, se realizada de forma continuada ou com alta taxa de dose, pode, sim, causar danos de esterilidade, seja ela temporária ou mesmo definitiva. Os efeitos cumulativos podem, sim, levar a danos tais como esterilidade, catarata e câncer. A aplicação de toda a rotina de proteção radiológica é de fundamental importância para que esses riscos sejam os menores possíveis.

Como você avalia a situação da Radiologia no Brasil?
A tecnologia evoluiu muito aos longo das últimas duas décadas, a radiológica também. Existem muitas novidades no mercado da Radiologia e do Radiodiagnóstico. Contudo, o Brasil ainda não desfruta de toda essa tecnologia, não acompanhamos a evolução, seja na qualidade da imagem, seja da proteção radiológica dos indivíduos expostos à radiação. Lamentavelmente, por conta dos crescentes argumentos de vendas dos fabricantes, cresce uma perigosa onda de irresponsabilidade. Muitos profissionais propagam a ideia de que trabalhar com radiação ionizante atualmente não oferece riscos. Muito pelo contrário, os riscos são ainda maiores, pois as doses aplicadas cresceram exponencialmente. A tecnologia digital, embora seja muito boa, promoveu um acréscimo importante na taxa de dose aplicada em todos os exames radiológicos. Há uma piora substancial nas práticas de controles de radiação ionizante e de controle de qualidade da imagem. Em situações que considero até criminosas, esses controles sequer existem. Dosimetria de feixes de radiação ionizante, radiometria de ambientes e controle de qualidade da imagem, nada disso existe em muitos estabelecimentos de saúde. O Brasil possui profissionais de física médica experientes e muito bem treinados, mas o que percebemos ao longo dos anos é que muitas unidades de Radiologia sequer possuem registros de metrologia. Há casos em que sequer existe um programa de dosimetria pessoal de trabalhadores e as blindagens de proteção individual não são feitas ou estão em péssimo estado de conservação. O país passa por um período de descaso com a radiação ionizante. A abertura de mercado para profissionais sem competência para o trabalho com radiação ionizante tem piorado ainda mais esse panorama, com a adoção de jornadas além do que é permitido pela legislação combinadas com a falta de proteção radiológica.

Qual é o futuro da Radiologia, que novas aplicações podem surgir nos próximos 50 anos?
São muitas as aplicações da radiação ionizante, algumas em franca utilização e outras restritas aos laboratórios de pesquisa. Pessoalmente, não creio numa evolução do uso da radiação ionizante para fins de exames médicos e odontológicos. Cresce muito a pesquisa e a necessidade de novas tecnologias que não aplicam feixes de radiações ionizantes, ou seja, o uso da radiação não-ionizante e de menor risco para o indivíduo exposto. Gostaria que nos próximos 50 anos o uso de radiação ionizante para fins médicos de diagnóstico e tratamento acabe, mas creio que ainda deva levar um pouco mais de tempo para que isto aconteça e certamente acontecerá. O espectro eletromagnético é muito amplo e, em breve, novos feixes de radiação estarão sendo aplicados para a realização de exames radiológicos e de tratamentos radioterápicos.

FONTE: CONTER
http://www.conter.gov.br