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Técnica aumenta sobrevida em casos de câncer de colo de útero

Procedimento associa a radioterapia com braquiterapia
de alta taxa de dose e a quimioterapia com cisplastina

O câncer de colo de útero é uma doença de evolução lenta que acomete a priori mulheres com idade acima dos 25 anos. Tem como principal causa o papiloma vírus humano (HPV), um grupo de vírus que infecta a pele, formando verrugas ou promovendo alterações celulares no colo uterino. A melhor maneira de prevenção é o Papanicolaou, exame em que se coleta o muco cervical para avaliação. Mas, quando a doença já está adiantada, o tratamento de escolha é a radioterapia, que destrói células tumorais com o emprego de feixe de radiações ionizantes. Esta conduta é um consenso mundial. Testes inéditos feitos na tese de doutorado do radioterapeuta Antonio Carlos Zuliani de Oliveira com 147 mulheres com câncer no estádio IIIb mostraram agora a propriedade de associar a radioterapia com braquiterapia de alta taxa de dose e a quimioterapia com cisplastina. Os experimentos indicaram uma melhora significativa da saúde de 10% das mulheres que tinham um quadro grave. Essa melhora se refletiu no controle local e na sobrevida livre da doença.

A perspectiva de metade das pacientes tratadas nesse estágio da doença é o óbito antes de cinco anos, mesmo após o tratamento radioterápico. Deste modo, 10% das pacientes que não sobreviveriam e teriam recidiva, não vão ter mais. “Esse percentual significa muito em oncologia”, assinala Luis Otávio Zanatta Sarian, orientador da pesquisa, que foi feita no Serviço de Radioterapia do Hospital da Mulher “Prof. Dr. José A. Pinotti” Caism.

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A nova sistemática vai colaborar para que menos pessoas evoluam para óbito em razão do câncer do colo avançado. Mundialmente, esse câncer causou 275 mil mortes em 2008. “Graças a essa pesquisa, hoje não somos mais autorizados a indicar só a radioterapia. Agora, as pacientes são tratadas com radioterapia e quimioterapia concomitantemente, o que mudou o protocolo do hospital e o modo de encarar a patologia”, festeja Antonio Carlos.

O motivo é de fato para comemorar, pois o Brasil tem um número considerável de casos avançados da doença. Foram 17.540 em 2012. Mas a despeito disso, esse novo protocolo já deu um passo a mais na terapêutica do câncer avançado, sinalizando que também pode ser melhor nos estádios iniciais. A investigação demorou dez anos: entre 2003 e 2013.

TERAPÊUTICA

O autor da tese explica que o câncer do colo uterino, em relação a outros tipos de cânceres, é prevenível. Nos países desenvolvidos, é diagnosticado ainda em fase curável, pela eficácia dos programas de rastreamento já em estádios iniciais.

Conforme esse rastreamento piora, aparecem os casos mais avançados. “Sabe-se que os tumores atingem com maior gravidade as populações mundiais menos privilegiadas economicamente”, revela o professor.

Nos casos avançados – dificilmente encontrados nos EUA, Canadá e Europa, países nos quais se concentra boa parte dos ensaios clínicos –, não se sabia se a quimioterapia associada iria prejudicar mais a doente do que beneficiar. Antonio Carlos pensou justamente nesse grupo e viu que o tratamento é uma saída positiva.

Ele explica que o estadiamento do câncer de colo do útero vai do grau 1 ao 4, conforme a gravidade. Quando chega ao último grau, a doença torna-se sistêmica, afetando órgãos a distância. Até o estádio IIa, a abordagem dos casos é cirúrgica. A partir de então, parte-se para a radioterapia, visto que a cirurgia já não é mais possível, não surte bons resultados e sua toxicidade é muito alta. Antonio Carlos notou melhora no controle local e na sobrevida livre da doença dessas mulheres com o novo tratamento. Por outro lado, não notou progresso no índice de sobrevida total, provavelmente pelo tempo de seguimento dessas pacientes e pelo número da amostra.

Mas, como a maioria dessas mulheres, quando morrem, é por recidiva local, então há uma grande probabilidade desse tratamento ter um importante impacto até na sobrevida total dessas mulheres. Um outro aspecto avaliado, relata o radioterapeuta, foi a adoção de dois braços na pesquisa, tanto no de comparação quanto no do tratamento com a braquiterapia de alta taxa de dose, que é uma terapêutica local de radiação intracavitária no útero bem mais rápida do que a baixa taxa de dose.

No tratamento com baixa taxa de dose, a mulher necessitava ficar internada no hospital de dois a três dias. Era algo desconfortável, porque a paciente era obrigada a permanecer na mesma posição 72 horas com a fonte radioativa no canal vaginal: ficava em decúbito dorsal horizontal, sem sequer poder virar de lado.

Ocorre que a braquiterapia emprega fontes de radiação interna. O material radioativo é colocado, por meio de aparatos específicos, próximo à lesão tumoral, em contato direto com a região pretendida. Terminado o tratamento, o material é retirado do corpo. Esse tratamento permite aplicar doses de radiação muito menores nos tecidos e órgãos ao redor da doença.

Já na radioterapia externa, a radiação tem que passar pela pele, pela gordura, pelo músculo e pelas demais estruturas até chegar à região do tratamento. Deste modo, acaba-se levando uma quantidade de radiação às áreas que estão também no caminho. Na braquiterapia, a radiação sai de dentro do órgão-alvo, por isso protege mais o tecido que está em volta.

BENEFÍCIOS

Pelo novo protocolo, a mulher recebe em média quatro aplicações por mês numa mesa ginecológica, aonde ela fica em decúbito dorsal, em posição de semi-litotomia (deitada com a face voltada para cima, com flexão de 90º de quadril e joelho).

A aplicação, que antes levava até três dias, agora é feita em cerca de 40 minutos. “É um tratamento mais rápido e adequado às pacientes, que já procuram o hospital muito fragilizadas pelo diagnóstico”, frisa o docente.

Agora, como quase todo tratamento, ele traz um desconforto à mulher, apesar de tolerável e passageiro: a introdução de um aplicador dentro do útero, mas que elimina a necessidade de anestesia na maioria dos casos. Contudo, esse aplicador possui uma espessura menor do que a de um dispositivo intra-uterino (DIU), tranquiliza Luis Otávio.

Na braquiterapia de alta taxa de dose, a radiação é aplicada numa velocidade muito maior. Por isso, especulava-se na literatura se, associada à quimioterapia, a toxicidade não seria proibitiva. Antonio Carlos chegou à conclusão que não. O tratamento tem toxicidade compatível com o esquema anterior, que envolvia somente a radioterapia.

A vantagem é que, enquanto é feita a radioterapia, a pessoa também recebe a quimioterapia. Desta forma, não aumenta o tempo da terapêutica proposta, expõe o pesquisador.

A investigação de Antonio Carlos é uma evidência tipo 1 – o melhor tipo de estudo que pode ser feito, de ensaio clínico randomizado. Nesta intervenção, parte-se da causa em direção ao efeito.

Publicação
Tese: “Braquiterapia com alta taxa de dose e cisplatina concomitante no tratamento do carcinoma espinocelular do cólo do útero estádio IIIB: comparação histórica e ensaio clínico aleatorizado”
Autor: Antonio Carlos Zuliani de Oliveira
Orientador: Luis Otávio Zanatta Sarian
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

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Em busca da prevenção

De acordo com Luis Otávio, epidemiologicamente atribui-se como causa do câncer de colo a infecção pelo HPV. Só que, das mulheres com idade entre 25 e 40 anos que têm infecção por esse vírus, somente 0,01% desenvolverá o câncer de colo avançado, esclarece.

Na maior parte, resulta de transmissão sexual, embora haja relatos de uma minoria que nunca teve relações sexuais e que também foi infectada por esse vírus, que é de certa forma mais comum do que se possa imaginar.

O doutorando ainda não sabia se a quimioterapia para os portadores de câncer do colo avançado potencializaria os efeitos da radioterapia, pois há efeitos tanto para os tratados com quimioterapia como para os tratados com radioterapia. O estudo apontou que, associando a quimioterapia, não aumentariam os efeitos colaterais do tratamento – os efeitos residuais.

Esses efeitos podem ser notados nos órgãos mais próximos do colo do útero, que são o intestino e a bexiga. Incluem alteração do hábito intestinal e urinário, cansaço e, numa situação mais complexa, sangramento.

Existe uma graduação de toxicidade que chega a demandar cirurgia, entretanto sua incidência foi mínima no estudo e comparável nos dois braços da pesquisa. As doses alcançadas com braquiterapia foram bem superiores às alcançadas com radioterapia externa, porque o útero afasta os órgãos próximos (reto e bexiga), que recebem doses muito menores.

Os resultados desse trabalho serão apresentados oralmente no Congresso da Sociedade Americana de Radioterapia, que ocorre em setembro em Atlanta, Estados Unidos. Terá sido a primeira exposição oral de estudo brasileiro no evento, o mais renomado na área.

FONTE: UNICAMP
http://www.unicamp.br/