ARTIGO: Dizer sim à doação de órgãos
Por Rodrigo Sarlo (*)
Ideia e concepção do transplante tiveram início em tempos mitológicos, presente em passagens bíblicas como a de São Cosme e Damião, considerados os padroeiros do transplante ao realizar – segundo a crença católica – a primeira cirurgia deste tipo. Sabemos hoje em dia que um procedimento como este é de alta complexidade, mas ali nascia o conceito da prática, que consiste na retirada cirúrgica de um órgão (ou tecido) de um indivíduo com subsequente implante em outro. A medicina vem avançando sensivelmente em todas as áreas, mas não foi capaz de reproduzir um órgão com suas funções integrais. Apesar de diversos estudos com células tronco e os avanços tecnológicos, sobretudo a nanotecnologia, ainda não podemos prever o momento em que poderemos “fabricar órgãos”. Sendo assim, após muitos esforços, experiências e estudos, a prática do transplante começou a se desenvolver a partir da década de 50.
Em 23 de dezembro de 1954, no Hospital Peter Bent Brigham, em Boston, Estados Unidos, foi realizado o primeiro transplante de sucesso. A partir daí, comprovou-se cientificamente que a ideia da transplantação poderia sair do âmbito mítico e ser utilizada como “arsenal” terapêutico para tratar diversas doenças. No Brasil, o primeiro transplante de órgão realizado aconteceu em 1964, no Rio de Janeiro, no Hospital dos Servidores do Estado. Esta atividade cresceu, evoluiu e se desenvolveu, sendo que os últimos cinco anos foram marcantes para o país, que se tornou o maior sistema público de transplante do mundo.
O transplante é, de forma geral, a melhor modalidade terapêutica para as enfermidades onde se aplica, mas para algumas delas pode ser a única opção. Por conta disso, diversos países desenvolveram inúmeras estratégias para aumentar o número de procedimentos e a grande parte delas concentrou-se em obter mais doadores, sobretudo falecidos, em morte encefálica.
Seguindo a estratégia de países como EUA, Espanha e Portugal; o Brasil dobrou o número de doadores entre 2007 e 2012 e aumentou o número de transplantes; de 2.909 em 2007 para 5.820 em 2012. Apesar deste crescimento, estima-se que são realizados 40% da necessidade anual de transplantes renais e 30% dos transplantes hepáticos em todo território nacional.
O Governo do Estado do RJ, através da Secretaria de Estado de Saúde, lançou em 2010 o Programa Estadual de Transplantes (PET). Após ser pioneiro nacional, vivíamos nos anos 2000 tempos de retrocesso e a necessidade de voltar a ocupar um lugar de destaque no cenário nacional se tornava cada vez mais evidente. Após estudar modelos internacionais e adaptá-los à realidade do RJ, foi traçado um plano estratégico com grande foco no aprimoramento do processo de doação de órgãos e tecidos, com impacto no número de transplantes. As principais medidas foram: reestruturação da Central de Transplantes, nos moldes norte-americanos; criação do Disque-Transplante (155); estímulo à criação de Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos; habilitação de novos centros de transplante ao SUS; investimento na capacitação dos profissionais de saúde; abertura de dois Bancos de Olhos; pioneirismo nacional em atividades de perfusão renal, com máquinas portáteis para melhor acondicionamento e aproveitamento de rins; abertura de centros transplantadores gerenciados pelo Governo do Estado (Centro Estadual de Transplantes e Hospital Estadual da Criança) e, por fim, lançamento em 2013 das Organizações de Procura de Órgãos, com intuito de regionalizar e criar polos de captação de órgãos.
Com estrutura reorganizada, planejada e motivada, o Rio de Janeiro deu enorme salto e se destacou na área de doação e transplantes, tendo triplicado o número de doadores (de 69 em 2009; para 221 doadores em 2012); passando da lanterna para o segundo lugar no ranking nacional. O resultado foi, claro, aumento significativo no número de transplantes de órgãos nesse mesmo período (296 transplantes de órgãos em 2009 para 531 transplantes em 2012). As atividades de transplante de tecido também cresceram. Mesmo assim, se mostraram insuficientes para atender a população com a excelência que o PET se propõe. Por isso, lançamos nesta semana mais um Banco de Olhos, no INTO, com o intuito de ser o maior do país. Queremos que, de dois a três anos, a espera pelo transplante de córneas seja menor que 1 mês, alcançando a “Fila Zero”.
Sabemos que estes excelentes resultados já fazem parte do passado e, por isso, continuamos olhando para o futuro. A necessidade de continuar avançando é cada vez maior, pois o tempo é curto para quem espera por um órgão ou tecido. O ato de doar um órgão é um ato de amor ao próximo e todos nós devemos pensar e refletir em como podemos ser importantes na vida de quem está esperando. Basta dizer SIM.
* É médico nefrologista e coordenador do Programa Estadual de Transplantes (PET)
FONTE: Governo do Estado do Rio de Janeiro
http://www.saude.rj.gov.br