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Afastamento de gestante das atividades com radiação continua obrigatório mesmo após a Reforma Trabalhista

A Reforma Trabalhista abriu a possibilidade para que mulheres grávidas possam trabalhar em local com insalubridade mínima e media, mediante atestado médico. Entretanto, continua proibido o exercício profissional de gestantes em atividades com grau de insalubridade máximo. Esse é o caso das Técnicas e Tecnólogas em Radiologia, que continuam a ter direito ao afastamento imediato das atividades com radiação ionizante, tão logo seja confirmada a gravidez.

Lei n.º 13.467/17, que institui a Reforma Trabalhista, diz assim:

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:

I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;

II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;

III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

Segundo o presidente do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER), Manoel Benedito Viana Santos, o afastamento das fontes radioativas é indiscutível, principalmente, nos três primeiros meses de gravidez. “Quanto menor a massa do corpo, maior é a penetração dos raios X. Portanto, enquanto o bebê está em processo de formação na barriga da mãe, deve ficar totalmente protegido, pois a exposição radioativa pode causar alteração do material genético e uma sequência de acontecimentos imprevisíveis, podendo causar até a interrupção da gravidez”, esclarece.

A assessora jurídica do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER), doutora Vanessa Arruda, esclarece que a Reforma Trabalhista só entra em vigor 120 dias após a publicação. “Como foi sancionada no dia 14 de julho, a lei só vale a partir da segunda quinzena de novembro de 2017”, afirma. Já o assessor jurídico do CONTER, doutor Victor Martins, esclarece que a reforma só se aplica aos contratos de trabalho firmados após a validade da lei. “Por força do Artigo 5º, Inciso XXXVI, da Constituição, os direitos adquiridos dos profissionais estão assegurados”, reitera.

Durante o período de afastamento das fontes ionizantes por motivo de gravidez, não pode haver prejuízo no recebimento da remuneração e dos adicionais, pois o Parágrafo VI do Artigo 7º da Constituição Federal veda a redutibilidade de salários e benefícios sociais da mulher nesses casos.

As retaliações contra mulheres que engravidam na área da Radiologia não são incomuns e afetam trabalhadoras em todo o país. No Ceará, a técnica em Radiologia Neliane Costa Mendes conta os constrangimentos que sofreu após comunicar ao patrão que seria mãe. “Depois de comunicar que estava grávida, compareci normalmente ao trabalho para saber para onde seria remanejada. Depois de espera durante horas, recebi um encaminhamento para conversar com a chefia. Chegando lá, fui informada que a minha nova função seria de digitadora, que trabalharia 20 horas a mais por semana por não ter exposição radiológica no novo cargo e que receberia apenas um salário mínimo durante o período de gestação, sem direito ao adicional de insalubridade”, relata.

Revoltada com a situação, Neliane tornou o seu caso público nas redes sociais e o episódio repercutiu no país inteiro. Diante da exposição vexatória, uma semana depois o contratante resolveu afastar a funcionária e conceder todos os benefícios a que ela tinha direito. “A minha situação se tornou um símbolo, até hoje mulheres me procuram pedindo ajuda. Muitas estão deixando de realizar o sonho de ser mãe por medo de perder o emprego e ficar sem o sustento da família. Eu fico bem triste com os depoimentos que recebo”, lamenta.

Quando não ocorre a demissão, nem sempre a permanência no trabalho é tranquila. Além do rebaixamento de cargo, a perseguição profissional pode se tornar um pesadelo. “Eu não fui afastada e denunciei ao sindicato, pois passei por várias humilhações. Eu era a única que não podia comer no refeitório da empresa. Fui mandada para sala em que ficavam os produtos químicos, lá era obrigada a fazer a revelação manual, mesmo tendo todo o recurso digital disponível. Forçaram-me a pedir demissão. Desde que tive esse problema, não consegui mais trabalho, pois sempre descobrem que tenho um processo na clínica onde trabalhava. A justiça não resolveu até hoje”, denuncia a técnica em Radiologia Patrícia Ramos Rosa, do Rio Grande do Sul.

“Na minha segunda gravidez sofri muito. A empresa sugeriu que eu arrumasse um atestado falso com a minha obstetra e conseguisse afastamento pelo INSS, pois grávida eu não servia para nada, só gerava despesa. Eu me recusei a fazer isso e começou a retaliação. Eu fui colocada para operar uma máquina de triturar papeis numa posição física totalmente desconfortável. Depois, mandaram eu fazer faxina, mas me recusei. Então me colocaram em pé na recepção, sem cadeira. Quando a situação se tornou insustentável, me deram férias compulsórias. Um mês depois de voltar, fui demitida. Havia sete anos que estava lá”, conta a técnica em Radiologia Luciene Rosi, do Espírito Santo.

Convenção nº 115 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz em seu Artigo 14 que “nenhum trabalhador deve ser sujeito, ou continuar a ser sujeito, a um trabalho suscetível de expô-lo às radiações ionizantes, contrariamente a um laudo médico autorizado”. Como ficará demonstrado a seguir, tanto do ponto de vista médico quanto legal não há o que discutir sobre o assunto. Não obstante, mais importante que as disposições médicas e regimentais, são os níveis ocupacionais definidos pelos físicos e especialistas da área e contidos nas normas do setor. De acordo com as Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica em Radiodiagnóstico Médico e Odontológico, instituída pela Portaria ANVISA n.º 453/98:

2.13 Exposições ocupacionais

b) Para mulheres grávidas devem ser observados os seguintes requisitos adicionais, de modo a proteger o embrião ou feto:

(I) a gravidez deve ser notificada ao titular do serviço tão logo seja constatada;

(II) as condições de trabalho devem ser revistas para garantir que a dose na superfície do abdômen não exceda 2 mSv durante todo o período restante da gravidez, tornando pouco provável que a dose adicional no embrião ou feto exceda cerca de 1 mSv neste período.

Esse entendimento é consubstanciado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) que, em suas diretrizes básicas de proteção radiológica no Brasil (Norma CNEN-NN-3.01), estabelece:

5.7.10  Uma  mulher  ocupacionalmente  exposta,  ao  tomar  conhecimento  da  gravidez,  deve  notificar imediatamente esse fato ao seu empregador.

5.7.11  A  notificação  da  gravidez  não  deve  ser  considerada  um  motivo  para  excluir  uma  mulher ocupacionalmente  exposta  do  trabalho  com  radiação;  porém  o  titular  ou  empregador,  nesse  caso,  deve tomar  as  medidas  necessárias  para  assegurar  a  proteção  do  embrião  ou  feto,  conforme  estabelecido  na subseção 5.4.2.2 desta Norma.

5.4.2.2 Para mulheres grávidas ocupacionalmente expostas, suas tarefas devem ser controladas de maneira que seja improvável que, a partir da notificação da gravidez, o feto receba dose efetiva superior a 1 mSv durante o resto do período de gestação.”

O professor e pesquisador João Henrique Hamann, que é membro da Comissão Nacional de Radioproteção e Dosimetria (CNRD) do CONTER, explica que não existe dose inócua e há risco de efeitos biológicos para o embrião ou para o feto, principalmente, se houver exposição à radiação ionizante sem o controle das doses absorvidas. “Independentemente da dose, do tipo de radiação e do tempo de exposição, temos um dano que será causado e que pode ou não ser reparado pelo organismo. Portanto, se observarmos sob o aspecto científico da radiobiologia, existe risco à saúde”, afirma.

Evidentemente, a dose ocupacional de uma profissional exposta aos raios X durante uma jornada de trabalho de 24 horas semanais é superior ao que foi estabelecido pelas normas e convenções internacionais. Assim, o afastamento da gestante que trabalha na operação de equipamentos que emitem raios X é um direito assegurado no mundo inteiro, pois existe consenso entre a comunidade científica de que não há como garantir o pleno desenvolvimento do feto sem dar à mãe condições elementares de segurança radiológica. A Norma Regulamentadora 32 (NR32), que dispõe sobre segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde, diz que:

32.4.4 Toda trabalhadora com gravidez confirmada deve ser afastada das atividades com radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu nível de formação”.

32.6.3 Toda trabalhadora gestante deve ser afastada das áreas controladas.

Não é demais lembrar que, durante e após o afastamento, a mulher tem direito à estabilidade e irredutibilidade de salários e benefícios sociais, conforme assegura também o Artigo 392 da CLT:

§ 4º É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos (Redação dada pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999):

I – transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho  (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999).

A flexibilidade de entendimento sobre essa matéria não deve ser aceita, pois não existe limiar seguro de exposição radiativa para uma gestante, uma vez que o feto é mais sensível aos efeitos biológicos da radiação ionizante do que os adultos. Durante o processo de desenvolvimento dos seus órgãos internos, a criança fica muito suscetível aos agentes externos que têm a capacidade de atravessar o corpo e provocar alteração celular. Todo cuidado é necessário.

relatório do grupo de trabalho sobre segurança nuclear da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados apresenta a seguinte conclusão:

3.3 Efeitos da exposição a baixas doses de radiação:

A investigação dos efeitos somáticos como, por exemplo, o surgimento de alguns tipos de câncer e leucemia, levou ao questionamento de um limiar de dose de radiação – abaixo dele não existiriam efeitos biológicos. Hoje é consenso entre especialistas que os riscos da radiação estão relacionados a um modelo linear proporcional. Isto é: não há dose de radiação tão pequena que não produza um efeito colateral no organismo humano. Quanto maior a exposição, maior é o risco dos efeitos biológicos, existindo, assim, uma relação contínua entre exposição e risco. 

A permissão para que mulheres possam trabalhar em locais com insalubridade mínima e média, mesmo mediante atestado médico, representa um risco para a sociedade. Não há dúvidas de que, numa relação trabalhista, o empregador tem mais poder de barganha e pode impor condições que o beneficiem em detrimento do funcionário. Interpretações de má fé podem colocar em risco garantias fundamentais das mulheres. A maior ameaça é o negociado sobre o legislado, uma vez que a Reforma Trabalhista diz assim:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

XII – enquadramento do grau de insalubridade;

XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho.

Esse ponto é um problema para a classe trabalhadora. Entretanto, as gestantes estão resguardadas, pois a reforma não permite que o afastamento em grau máximo de insalubridade seja objeto de negociação entre patrões e empregados:

Art. 611-B.  Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: 

XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.

“Há uma tendência ao desmonte dos direitos trabalhistas em países subdesenvolvidos, como se esse fosse o caminho para a modernização de um país. Não é, nós precisamos trabalhar menos para nos especializar mais, para abrir mais vagas no mercado de trabalho e atender melhor à população. Direitos assegurados há décadas foram subtraídos dos mais pobres nesta reforma. Não podemos continuar nesse caminho, pois é a contramão do futuro”, afirma o presidente do CONTER, Manoel Benedito.

Segundo os pesquisadores Giuseppe D’Ippolito e Regina Bitelli Medeiros, autores do artigo científico “Exames radiológicos na gestação”, os efeitos biológicos decorrentes da exposição à radiação ionizante pelo feto podem ser divididos em quatro categorias: óbito intra-uterino, malformações, distúrbios do crescimento/desenvolvimento e efeitos mutagênicos/ carcinogênicos:

“A ocorrência desses efeitos depende da dose de radiação absorvida e da idade gestacional. Geralmente, baixas doses de radiação absorvida podem provocar dano celular transitório e passível de ser reparado pelo próprio organismo. Por outro lado, altas doses de radiação podem interromper o desenvolvimento e a maturação celular, provocando a morte fetal ou malformações.

O embrião é mais sensível aos efeitos da radiação ionizante nas duas primeiras semanas de gestação; durante este período, o embrião exposto à radiação permanecerá intacto ou será reabsorvido ou abortado. Considera-se risco de morte fetal neste período quando a exposição for superior a 10 rad (100 mGy). Durante a 3ª e 15ª semanas de gestação (quando ocorre a organogênese), o dano no embrião pode ser decorrente de morte celular induzida pela radiação, distúrbio na migração e proliferação celular. Nesta fase podem ocorrer graves anormalidades no sistema nervoso central, que está em formação (por exemplo, hidrocefalia e microcefalia). Quando o feto é exposto a doses superiores a 100 mGy, podem ocorrer retardo mental e redução de cerca de 30 pontos no quociente de inteligência (QI) para cada 100 mGy acima do limite superior tolerado.

Vários trabalhos têm demonstrado que quando o útero é submetido mesmo a baixas doses de radiação (20 mGy) aumenta o risco de o feto desenvolver câncer na infância, e principalmente aumenta o risco de ocorrência de leucemia, por um fator de 1,5 a 2,0 quando comparado à incidência natural.”

A Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) recomenda que funcionárias gestantes sejam afastadas das atividades com radiação ionizante assim que constatada a gravidez. Em comunicado oficial, a entidade orienta seus membros para que “funcionárias gestantes sejam afastadas das atividades com radiação ionizantes e transferida para atividades sem radiação, para prevenir que futuros problemas com a gravidez sejam atribuídos a radiação.”

“Seja por exercício de consciência ou por medo das consequências, esperamos que o empresariado continue sensível à necessidade do afastamento”, finaliza o presidente do CONTER Manoel Benedito Viana Santos.

FONTE: CONTER
http://www.conter.gov.br