Alarme Falso
População de Bertioga pode ficar tranquila. Diferente do que disse reportagem do Jornal da Record, cidade não corre risco de acidente radioativo
O Jornal da Record cometeu um erro ao noticiar as atividades clandestinas de uma oficina que reforma equipamentos de raios X em Bertioga, no interior de São Paulo. Segundo a reportagem, os equipamentos mostrados nas imagens contêm fontes radioativas e bastaria que um curioso abrisse uma delas para causar um acidente radioativo. Por suposto, essa informação não tem fundamento científico.
Para ver a reportagem, clique aqui.
De acordo com o diretor secretário do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) Valtenis Aguiar Melo, só haveria possibilidade de haver um acidente radioativo como o que ocorreu em Goiânia, em 1987, se houvessem equipamentos de radioterapia na oficina. Contudo, só é possível ver equipamentos de radiodiagnóstico nas imagens. Esses, desligados, não oferecem risco algum, nem mesmo se forem abertos.
“Os equipamentos que usam o cobalto ou césio 137 sim, podem provocar um acidente radioativo. Mas equipamentos de radiologia convencionais, não. A reportagem não tem nenhuma profundidade e, infelizmente, pode causar transtornos desnecessários à população de Bertioga, que não precisa temer mal algum”, afirma o diretor secretário do CONTER.
No caso do acidente radiológico em Goiânia/GO, usado como parâmetro pela produção da matéria para alarmar a sociedade, vale pontuar que ocorreu depois que catadores de um ferro velho encontraram um equipamento de radioterapia, que foi irresponsavelmente abandonado. Eles desmontaram o artefato e o repassaram a terceiros, causando um rastro de contaminação. O incidente foi o maior acidente radioativo do Brasil e o maior do mundo ocorrido fora das usinas nucleares. Foi classificado como nível 5 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares.
A falta de sobriedade da matéria ainda se vê pelo descaso com a terminologia da expressão “raios X”, que aparece hifenizada no texto de apresentação da reportagem no site. Da reportagem não se salvou nem a ortografia.
O especialista
Pela segunda vez somente no mês de março, uma grande emissora de tv exibe reportagem (veja a primeira, clique aqui) sobre radiação ionizante em rede nacional sem consultar nenhum profissional da área ou, ao menos, utilizar um representante da entidade de classe como fonte.
Na reportagem da Rede Record, o único personagem foi André Gomes dos Santos, que aparece como “especialista em radiações”.
Como a matéria não especifica a área de formação do profissional, a assessoria de imprensa do CONTER procurou saber sua origem e não conseguiu certificar. Por suposto, não se trata de um pesquisador, muito menos de alguém que tenha renome para falar com tanta propriedade sobre o assunto em rede nacional.
De acordo com a presidenta do CONTER Valdelice Teodoro, os jornalistas deveriam se aprofundar mais no assunto e escolher melhor suas fontes antes de noticiar fatos sobre uma ciência tão complexa como a Radiologia. “Na Rede Globo, utilizaram um ginecologista e um médico como fonte para falar de radiação ionizante. O resultado foi catastrófico.
Na Record, alguém que não sabemos nem a formação fala como especialista. Nada contra o sujeito, mas ele visivelmente desconhece sobre o que está opinando. Os meios de comunicação de massa deveriam saber que a Radiologia é uma área regulamentada, com uma entidade de classe que congrega mais de 84 mil profissionais e que possui consultores à disposição para atender às reportagens”, afirma.
O verdadeiro problema
O que chama mais atenção na reportagem é que o verdadeiro problema foi, simplesmente, ignorado. Essas oficinas clandestinas reformam equipamentos sem o mínimo critério e os vendem para hospitais no interior com uma margem de lucro abusiva, que claramente denota lavagem de dinheiro. Quando tem algum problema fiscal, o proprietário simplesmente muda a razão social da empresa e continua o negócio promíscuo com outra marca, num esquema que envolve empresários oportunistas e gestores públicos corruptos.
“É uma completa banalização da qualidade dos serviços de radiologia. Fora o fato de ser um negócio no mínimo suspeito, esses equipamentos reformados funcionam mal e porcamente e comprometem o trabalho do profissional, que fica impedido de prestar um bom serviço à população”, considera o diretor tesoureiro do CONTER Abelardo Raimundo de Souza.
Acidente? Chance mínima
Bem, até para quem não é da área ficou claro que a oficina clandestina em Bertioga não ameaça a cidade com uma iminente catástrofe. Nada disso. Inclusive, a chance de haver um novo incidente como esse no Brasil é muito pequena, para não dizer nula.
“Hoje em dia, as empresas que trabalham com fontes de radiação com poder de contaminação são rigorosamente fiscalizadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). É muito difícil adquirir esses equipamentos e, quando você se torna responsável por um deles, fica cadastrado e também é responsabilizado pelo descarte, que atende a vários critérios de segurança. É um segmento muito bem regulado”, confirma Valtenis Aguiar Melo.
FONTE: CONTER