Blog

Envelhecimento de deficientes intelectuais é objeto de estudo

Pesquisadora entrevistou nove cuidadores e mais 798 pessoas para fundamentar trabalho


O envelhecimento da população brasileira está sendo tão urgente e rápido que já se fala do envelhecimento dos deficientes intelectuais como uma outra questão que deverá aproximar-se mais do campo da Gerontologia. “Estamos fazendo força para conquistar um campo teórico centrado nas grandes problemáticas brasileiras, pois a pessoa com este tipo de deficiência está vivendo mais e por isso ela tem que garantir os seus direitos agora. Os gestores de políticas públicas precisam levar em conta os anseios dos cuidadores e saber ouvi-los”, conclui a assistente social Maria Eliane Catunda de Siqueira na sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação (FE).

O trabalho, orientado pela professora Anita Liberalesso Neri, foi composto de duas partes, tendo como campo de estudo a cidade mineira de Poços de Caldas. Ao escolher a cidade em que reside, Maria Eliane admitiu que foi pelo fato dela congregar um dos estratos populacionais mais envelhecidos do país: 13% dos seus moradores têm idade acima de 60 anos.

Na primeira parte do trabalho, a autora procurou levantar as atitudes das pessoas em relação à deficiência intelectual. A sua casuística envolveu 798 entrevistados. A eles foram indagados os atributos positivos e negativos da deficiência. Na segunda, chamada ‘ouvindo a família’, seguiu-se uma linha da Organização Mundial da Saúde (OMS) que lida com a deficiência e o envelhecimento do deficiente intelectual. A assistente social ouviu nove cuidadores (também idosos, que tinham idade entre 56 e 80 anos) de deficientes que estão envelhecendo (de 30 a 51 anos) acerca das expectativas futuras e das providências que deverão ser tomadas a favor deles.

A definição de deficiência intelectual usada na tese enveredou pela perspectiva de inteligências múltiplas e de comportamento adaptativo. Essa visão, que se escorou no pensamento da OMS, está atrelada ao comportamento adaptativo, que versa sobre a possibilidade da pessoa atuar no seu ambiente, o qual reconhece as suas limitações e as suas potencialidades.

Na pesquisa, foram listadas as limitações que as pessoas têm em relação à sua capacidade de adaptação e de convivência social. Nos parâmetros de atividades de vida diária, que incluem tarefas rotineiras como alimentação, vestir-se e despir-se, banho e higiene pessoal, por exemplo, foram levantadas, além das limitações, as potencialidades e os recursos do ambiente. Todas as organizações que trabalham com a deficiência intelectual principalmente, menciona a autora, estimulam que se faça um inquérito das atitudes frente à deficiência em diversos contextos. A partir desse conhecimento é que se poderá trabalhar com a inclusão social. Por isso Maria Eliane procurou ouvir a cidade e a família a fim de conhecer a sua posição sobre o deficiente intelectual.

De todos os atributos investigados, sobretudo três sobressaíram como os principais. Eles foram avaliados por meio de uma análise de conteúdo e categorizados como atributos relacionais (amorosos, amigos, afetuosos, carinhosos e amáveis); de capacidade (inteligente, esperto, capaz, esforçado), emocionais negativos (agressivos, nervosos, irritados) e emocionais positivos (carentes, vulneráveis, frágeis); e de incapacidade (limitados, ignorantes, incapazes).

Notou-se que os entrevistados conseguiram perceber a deficiência intelectual tanto pela capacidade quanto pela incapacidade. “Este é um fato extremamente positivo, pois é relevante saber que a pessoa com deficiência tem limitações e também potencialidades que lhe possibilitam avançar”, ensina Maria Eliane. Essa percepção ‘do outro’ permitiu inclusive observar se essas pessoas convivem, ou não, com a pessoa portadora de deficiência intelectual.

Maria Eliane considerou convivência qualquer aproximação, seja através de trabalho, de relações familiares e de vizinhança. A amostra também empregou uma composição por gênero da população. Neste caso, foi apurado que as mulheres se aproximam mais da deficiência e dão provas de ter maior clareza sobre as limitações e potencialidades da deficiência intelectual. Apesar de terem citado alguns atributos de incapacidade, ao mesmo tempo citaram os relacionais positivos, sinalizando uma maior predisposição para as situações que envolvem os atributos positivos, diferentemente dos homens.

O estudo, na sua primeira parte, indicou que as pessoas com menor grau de escolaridade tenderam a mencionar mais atributos de capacidade, ao passo que, as com maior nível de escolaridade, os atributos negativos. Por outro lado, ter convivido com os deficientes intelectuais foi fator determinante para se lembrarem mais facilmente dos atributos positivos.

Já na segunda parte o trabalho apontou para a perspectiva dos cuidados de longa duração, realçada pelos nove cuidadores que foram ouvidos pela autora do trabalho. De acordo com ela, num ciclo de vida regular, os filhos crescem e num dado instante vão cuidar da vida, buscando a sua autonomia. É uma situação completamente inversa à que ocorre com os deficientes intelectuais, com os quais se trabalha mais com a ideia dos cuidados de longa duração (que, aliás, não terminam).

Os cuidados de longa duração, conforme ela, acabam ficando até mais difíceis de serem administrados com o passar dos anos, uma vez que o ônus físico do cuidador é muito maior com a perda do vigor. “A despeito disso, a relação com o filho, o neto ou o irmão que recebe os cuidados redunda em benefícios emocionais inestimáveis. A pessoa se sente útil e exercendo um importante papel social”, dimensiona. Dos entrevistados, dois eram homens, o que denota haver necessidade de existirem outros tipos de cuidadores. “Temos um pai viúvo que continua cuidando e um casal de avós que cuida de dois deficientes intelectuais, em razão da morte dos pais em acidente automobilístico”, posiciona Maria Eliane.

Pelo que viu, a deficiência intelectual é melhor encarada no dias atuais, principalmente por haver uma maior convivência e cumplicidade com ela. Uma iniciativa encorajada pela doutoranda é a criação de espaços de convivência, já que a própria política educacional tem sido afável à causa da inclusão nas escolas. Uma das tarefas que julgou fundamental no seu percurso de pesquisa foi evidenciar o papel das políticas públicas para a velhice e para a deficiência intelectual, de modo a haver interação com os cuidados de longa duração.

■ Publicação
Tese: “Envelhecer com deficiência intelectual: ouvindo a cidade e a família”
Autora: Maria Eliane Catunda de Siqueira
Orientadora: Anita Liberalesso Neri
Unidade: Faculdade de Educação (FE)

FONTE: Jornal da Unicamp
http://www.unicamp.br