Fechamento do maior manicômio da América Latina reintegra pacientes psiquiátricos
A Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, considerado um dos maiores manicômios da América Latina, quando chegou a abrigar mais de 3 mil pacientes, deu alta a seu último paciente. O processo começou no ano 2000, com uma ação da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) junto à unidade, de administração privada. Na época, ainda havia 1.5010 internos, que precisavam ser reintegrados à sociedade.
“No início ninguém acreditava que iríamos conseguir fechar um serviço deste porte e complexidade. Mas deu tudo certo. Este é um marco histórico no processo de reforma psiquiátrica no país”, resume Ingrid Jann, gerente de saúde mental da SES.
O processo acompanhou a reformulação do modelo de atenção à saúde mental. O modelo de tratamento dado que antes se dava unicamente pela internação psiquiátrica, aos poucos foi dando lugar a uma rede de atenção psicossocial, em unidades de serviços comunitários, que devolveram vida aos pacientes antes confinados. O que não falta são histórias comoventes:
“Há relatos de pessoas que foram internadas com 14 anos e saíram com 60. Teve um casal que se conheceu lá, os dois receberam alta, se reencontraram e casaram. Já houve casos de pacientes que perderam suas referências de nome, de família, de tudo. Aí nossa equipe começava a investigar e tentar obter pistas de suas origens. Tem um rapaz cuja família foi encontrada em Venda Nova do Imigrante, no Espírito Santo e hoje está de novo em casa”, lembra Ingrid.
Processo de fechamento ajudou na implantação da rede de saúde mental no estado
Fora da casa de saúde, um grupo de técnicos em saúde Mental da SES atuava junto aos municípios de origem dos internados para ajudar nessa volta pra casa. O resultado foi a construção e ampliação de uma rede de atenção psicossocial extra-hospitalar para receber, acolher e cuidar desses pacientes.
“A partir da Eiras, a Baixada Fluminense, por exemplo, que antes era um vazio assistencial nessa área, equipou toda uma rede. O modelo de assistência, que antes era totalmente baseado na internação, hoje é baseado em atenção. Estas pessoas passaram a frequentar escolas, clubes e a comunidade vai mudando o jeito de olhar para elas. É um resgate da cidadania”, observa Ingrid.
A Técnica da SES, Ana Regina Gomes, que estava no plantão da primeira equipe enviada à unidade, há 12 anos, viu de perto, agora, a saída dos últimos pacientes: “Com a intervenção, aqueles ‘fulanos de tal’, sem identidade e sem história, sem eira nem beira, na Eiras de Paracambi, passam a experimentar os impasses da convivência social e familiar com suas diferenças. Muitos percorreram anos de transinstitucionalização desde a infância e pararam ali, literalmente, na última estação de trem da linha férrea que liga a região ao Centro da cidade do Rio de Janeiro”.