Terapia Ocupacional a serviço do SOS Reimplante, programa exclusivo do Governo RJ
Objetos do dia a dia são usados na reabilitação de pacientes. Especialista do programa estadual cria órtese mais leve e eficiente para ajudar nos movimentos
Massa de modelar, miçangas, tachinhas. Na sala de Terapia Ocupacional do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (HEAPN), em Saracuruna, esses objetos lúdicos estão à disposição de um objetivo nobre: ajudar na reabilitação de pacientes atendidos pelo programa SOS Reimplante, serviço que desde 2008 realizou 308 procedimentos em vítimas de acidentes graves, sendo 114 reimplantes. O atendimento vem possibilitando que os membros reimplantados, especialmente da mão, voltem a ter função, permitindo, com isso, que o paciente tenha uma vida normal.
À frente desse trabalho está o terapeuta ocupacional Ivens Pereira. Especializado na reabilitação dos movimentos da mão, o médico foi convidado para integrar a equipe do SOS Reimplante pelo chefe do serviço, o microcirurgião João Recalde. O profissional já acumulava experiência em hospitais da rede pública, tendo ajudado a montar o primeiro serviço de reabilitação da mão do Rio de Janeiro no Hospital Estadual Pedro II. Além de implantar o uso de objetos do dia a dia na reabilitação, Ivens Pereira foi responsável por adaptar, por exemplo, a órtese de neuropraxia de radial, que antes era grande e pesada, causando incômodo ao paciente, para uma versão menor e mais prática de se colocar e tirar.
Órteses são apoios ou dispositivos externos aplicados ao corpo para modificar os aspectos funcionais ou estruturais do sistema neuromusculoesquelético para obtenção de alguma vantagem mecânica ou ortopédica. Elas são utilizadas quando há paralisia temporária do movimento.
– Na nova órtese, substituí o gesso pelo termomoldável, que é um material muito leve, e a linha comum por linha de pescador, que é transparente. Isso torna o equipamento, que é feito sob medida, mais aceitável visualmente, mais prático e melhor adaptável. Essas modificações surgiram da minha observação dos pacientes – afirma.
Há quase um ano afastada do trabalho como professora de uma creche por conta de um acidente com uma porta de vidro, Mariane Pereira, de 20 anos, moradora de Caxias, vem passando por uma lenta recuperação. Ao fechar a porta, sua mão e punho atravessaram o vidro, cortando profundamente a região e rompendo tendão, ligamentos, veias e nervos, comprometendo toda a estrutura da mão. Agora, 11 meses após o acidente, Mariane já recuperou praticamente todos os movimentos.
– Estou usando uma órtese há alguns meses para forçar o movimento da região. Já consigo pegar objetos, abrir e fechar a mão. Antes tinha muita dificuldade pra fazer coisas do dia a dia como amarrar o sapato, tomar banho. As pessoas não têm noção da gravidade, acham que foi apenas um corte no meu punho. Vou fazer outra cirurgia em janeiro para soltar o movimento de um dedo que ficou um pouco enrijecido. Não vejo a hora de poder voltar a cuidar dos meus alunos e mexer no computador – conta Mariane.
A complexidade dos casos que chegam ao serviço e o longo tempo de tratamento que alguns pacientes requerem servem como estímulo para que Ivens pense em novas formas de melhorar ainda mais o atendimento.
– Pra mim, atender um paciente que teve um dedo arrancado, passou por uma cirurgia e depois de quatro, cinco meses conseguiu voltar a trabalhar não tem preço. Quando ele me fala que já faz coisas básicas como lavar louça, se vestir sozinho, situações que só damos valor quando perdemos, me sinto extremamente recompensado e com a sensação de dever cumprido – comemora o profissional.
Além do trabalho focado na recuperação da habilidade e força dos membros com o objetivo de possibilitar a realização de movimentos básicos como segurar objetos, por exemplo, o tratamento da Terapia Ocupacional inclui a colocação de órteses no segmento operado, ajudando a recuperar a função da região.
– A finalidade da Terapia Ocupacional aqui no hospital é evitar sequelas do acidente e novas cirurgias. O objetivo é que o paciente volte a trabalhar e tenha uma vida próxima da que tinha antes o mais rápido possível. A Terapia Ocupacional é o uso da vida diária para recuperar o movimento do indivíduo. Por isso, criamos situações que o paciente possa fazer também em casa para ajudar nessa recuperação. Mostro o que ele tem ou não condição de fazer e ele treina aqui e repete em casa. Nosso maior desafio é promover desafios que o paciente possa superar. Com isso, lidamos também com o fator emocional. Não adianta criar um desafio que ele não possa cumprir porque senão a autoconfiança dele vai lá embaixo – alega Ivens Pereira, terapeuta ocupacional responsável pelo atendimento.
Mão é maioria entre os casos – O foco no atendimento à mão no setor se justifica pela grande ocorrência de acidentes que envolvem o membro: são atendidos cerca de 40 pacientes por dia no serviço. Em 2011, foram mais de dois mil atendimentos.
– Além do SOS Reimplante, também trato pacientes dos setores de cirurgia plástica e ortopedia do hospital. Recebemos muitas vítimas de fratura por queda, esmagamento de mão e, principalmente, acidente de trabalho. Em todos os casos, não basta operar e mandar o paciente pra casa. É fundamental restaurar a função do membro – explica Ivens.
Jonatan da Cruz, de 17 anos, sofreu um acidente com fogos em maio. A força da explosão arrancou dois dedos do rapaz, mas um deles conseguiu ser reimplantado pela equipe do SOS Reimplante. Há dois meses, Jonatan está usando uma órtese na mão que ajuda a prepará-lo para uma nova cirurgia.
– O Jonatan vai operar novamente para diminuir o enrijecimento do dedo. Às vezes, por medo da dor, a pessoa não mexe o membro, a pele fica fina, dormente e acaba enrijecendo. No caso dele, será feito também um enxerto ósseo para que a função seja recuperada da melhor forma possível – argumenta Ivens.
SOS Reimplante, único programa para amputados do Rio de Janeiro – Em dezembro de 2008, o microcirurgião João Recalde recebeu uma ligação do secretário de Estado de Saúde, Sérgio Côrtes, com um pedido urgente e inesperado: deslocar-se com uma equipe para o Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (HEAPN), em Saracuruna, para tentar reimplantar o braço da menina Ana Catarina, na época com 10 anos, que teve o membro direito amputado enquanto tentava tirar roupas de uma máquina de lavar industrial no abrigo onde morava, em Areal. A criança foi transferida de helicóptero para a unidade e, menos de quatro horas depois do acidente, estava na mesa de cirurgia. O sucesso do procedimento foi o pontapé inicial para a criação do programa SOS Reimplante no hospital, único que oferece esse tipo de atendimento no estado.
Formado há 33 anos, Recalde se especializou em cirurgia plástica no Hospital dos Servidores e, em 1983, foi para a França estudar cirurgia de mão e microcirurgia técnica. Dois anos depois, estava de volta ao Hospital dos Servidores, onde integrou a equipe que implantou o primeiro serviço de microcirurgia do país e que se tornou referência para toda a rede de saúde pública do Rio na época. Durante15 anos, o médico teve sua própria clínica de cirurgia reconstrutiva de mão, nos mesmos moldes da França.
– No Adão Pereira Nunes, além de contar com essa equipe exclusiva, estamos dentro de uma estrutura voltada para emergência, atendendo pacientes muito graves. Os casos que surgem na rede privada volta e meia esbarram na burocracia da autorização do convênio e isso, algumas vezes, vai de encontro à urgência da operação. Não dá para, no meio de uma tragédia como essa, discutir questões financeiras com o paciente ou a família. No serviço público, vencemos toda essa burocracia – explica Recalde, que lembra que a maioria dos pacientes é de classe social baixa, sem plano de saúde: “Cerca de 70% dos casos são de trabalhadores que se acidentam no ambiente de trabalho, 90% das vezes nos membros superiores”.
Nesses quatro anos de programa, o caso que mais o marcou foi o do menino Lucas de Oliveira. Em dezembro de 2010, Lucas, na época com 10 anos, foi atropelado na porta da casa do avô, em Xerém, e teve a perna direita esmagada. As chances de sucesso do reimplante eram de apenas 30%, mas Lucas superou o prognóstico inicial e, menos de dois anos depois, já recuperou quase todo o movimento do membro.
– Esse foi um caso limite que nos surpreendeu muito. Ver o paciente retomando sua vida, não tem nada que pague. O médico, em princípio, é um idealista e sempre teve o ideal de fazer o bem à população de baixa renda, a pessoas que não têm acesso à medicina de ponta. Por isso, sempre acreditei e desejei que o reimplante fosse oferecido pelo serviço público, pois lá está a grande maioria dos casos – relata o médico. Agora, o desejo de Recalde virou realidade
FONTE: Governo do Estado do Rio de Janeiro